sábado, 8 de outubro de 2011

Deus e o diabo na terra do sol com sétima


Ironicamente, a minha formação católica e os 14 anos de estudos num colégio de freiras contribuíram para que, ao invés de um bom fiel, eu acabasse me tornando um sujeito bastante questionador no que diz respeito ao cristianismo.
Entre as coisas que sempre me pareceram duvidosas está o caráter absoluto do bem e do mal personificados por Deus e pelo diabo. Os beatos que me desculpem, mas a atitude vingativa (e muitas vezes cruel) do Deus do Antigo Testamento não me soa lá muito condizente com a de alguém que coloca o amor como um de seus principais ensinamentos.
Ao mesmo tempo, ninguém conseguiu, até hoje, me oferecer uma solução convincente para o paradoxo: se Deus permite a existência do diabo, isso o torna conivente com o mal; se o diabo existe independentemente da vontade de Deus, Ele não deve ser tão todo-poderoso assim.
Foi provavelmente por isso que eu me deliciei tanto com a imagem provocativa criada pelo escritor português José Saramago em O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Dentre as inúmeras passagens memoráveis, uma das mais marcantes é o encontro do messias com Deus e o diabo: “Jesus olhou para um, olhou para outro e viu que, tirando as barbas de Deus, eram como gémeos”.
Sacrilégio? Talvez. De qualquer modo, somos todos pecadores. Duvido que a mais carola das pessoas não tenha algum dia sucumbido à idolatria. Sim, porque o apego excessivo a um santo, ao dinheiro, a um apresentador de tevê ou mesmo ao Nerdcast constitui falta grave, segundo a lógica cristã. E se contabilizarmos então o culto a astros da música, não escapa ninguém.
O rock tem seu deus próprio: ERIC CLAPTON, é claro. A anunciação veio na década de 1960 (época em que o guitarrista fazia parte doJohn Mayall & The Blues Breakers, após ter passado pelosYardbirds), na forma de pichações com os dizeres “Clapton is God”que começaram a surgir pelos muros de Londres.
Dessa época, quando ainda usava uma Gibson SG, data seu primeiro milagre: o álbum Blues Breakers With Eric Clapton [1966], com repertório formado por standards do blues e composições de Clapton e Mayall.
The Yardbirds
A abertura do Mar Vermelho, no entanto, veio com o Cream, banda formada pelo guitarrista, pelo baixista/vocalista Jack Bruce e pelo baterista Ginger Baker – um dos melhores times de instrumentistas de todos os tempos. Com quatro álbuns divinos – Fresh Cream[1966], Disraeli Gears [1967], Wheels of Fire [1968] e Goodbye[1969] -, o power trio, apesar da vida breve, tornou-se influência perene com sua mistura de blues, jazz, rock, psicodelia e peso.
Com o fim do Cream, Clapton passou pelo Blind Faith e pelo Delaney & Bonnie antes de formar o Derek and the Dominoes, com o qual gravou (já empunhando a tradicional Fender Stratocaster) seu Cântico dos Cânticos: o álbum Layla and Other Assorted Love Songs [1970].
Capa do álbum Layla and Other Assorted Love Songs[1970]
Com o riff arrebatador, o final arrepiante e a história por trás (a paixão do guitarrista pela esposa do amigo George Harrison), é compreensível que Layla tenha ofuscado o restante do repertório, mas o disco traz outros grandes momentos, como Bell Bottom Bluese as versões para Have You Ever Loved a Woman (Billy Myles) eNobody Knows You When You’re Down and Out (Jimmy Cox), por exemplo.
A carreira-solo veio como um Novo Testamento, com os poderes divinos se manifestando de maneira bem mais discreta e com foco maior no lado humano. Os álbuns 461 Ocean Boulevard [1974] eSlowhand [1977] trouxeram pérolas como Let it GrowWonderful TonightLay Down Sally e as versões para I Shot The Sheriff (Bob Marley) e Cocaine (J. J. Cale), e foram a centelha de inspiração em meio a uma sucessão de trabalhos medianos. E, apesar de sua sonoridade quase cafona, Journeyman [1989] trouxe Bad Love e uma prévia do que estava pela frente: a segunda vinda.
Capa do álbum Slowhand [1977].
Ao abraçar suas origens, o guitarrista renovou-se e produziu alguns dos seus melhores trabalhos. Premiado e campeão de vendagens,Unplugged [1992] é um dos raros casos em que sucesso comercial, elogios da crítica e relevância artística se encontram.
Acompanhado de uma banda afiada (destaque para o guitarrista Andy Fairweather-Low, o baixista Nathan East e o pianista Chuck Leavell, monstruosos), o projeto traz Clapton reinventando um clássico com maestria (Layla) e revisitando canções suas e de terceiros.
O blues predomina no repertório de covers de Unplugged e é o elemento principal de outros pontos altos da discografia recente do artista. From the Craddle [1994] é composto exclusivamente por standards do gênero, como Hoochie Coochie Man (Willie Dixon), It Hurts Me Too (Elmore James) e Blues Before Sunrise (Leroy Carr), entre outros.
O mesmo acontece com Riding With the King [2000], que não é simplesmente um álbum de releituras de blues, mas sim a reunião de Clapton e B. B. King (e, apesar de literal, sua capa é classuda como poucas).
Clapton e B.B. King juntos em Riding With the King [2000]
Mas o encontro mais notável é, sem dúvida, o do guitarrista com Robert Johnson – ou, ao menos, com sua música. Me and Mr. Johnson [2004] é um tributo ao autor de canções imortais comoLove in VainTraveling Riverside BluesThey’re Red Hot e, claro,Me and the Devil Blues. Além de ícone e referência no gênero, Johnston é famoso pela lenda de que ele teria vendido sua alma ao diabo em uma encruzilhada no Mississippi – o que teria lhe valido a habilidade na guitarra e no blues, mas teria lhe custado a vida (o músico morreu jovem, aos 27 anos).
O fato de Clapton parecer tão à vontade tocando esse blues demoníaco poderia até levantar dúvidas se ele seria mesmo Deus ou se seria o diabo. Quanto a isso, não há o que questionar: basta olhar a barba.

Um comentário:

  1. Eu tbm questiono sobre isso,mas tem uma coisa que vc deve levar em conta:As igrejas Cristãs (Catolica/Evangelica)modificão algumas coisas em seu favor!!Temos de pesquisar por si proprio e tentar ver oque realmente é certo!Tento levar uma vida "do bem" nao fazendo mal ao proximo,e sempre ajudando quem posso!

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